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Lições de Liderança que você deve aprender assistindo ‘The Crown’

Lições de Liderança que você deve aprender assistindo 'The Crown'
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The Crown, a premiadíssima série de televisão da Netflix, inicia sua narrativa no ano de 1947, focando nos últimos cinco anos de vida de George VI. Ele foi o pai da atual rainha britânica, a Elizabeth II. O estágio final de seu pai coincide com seus cinco primeiros anos de casamento e ascensão ao trono. É um relato preciso de como a Rainha Elizabeth II atravessou décadas e gerações. Podemos aprender diversas lições de liderança em The Crown – do que fazer e, principalmente, do que não fazer.

Cada episódio é uma aula de história e liderança à parte. Assim sendo, seria impossível resumir em um único artigo todas as lições de liderança absorvidas em The Crown. Afinal, são 40 episódios até agora. Será melhor analisar episódios diferentes e focar em lições específicas.

Não seguirei uma linha cronológica para apresentar os episódios e suas lições, pois não é necessário assisti-los em ordem para entender e extrair proveito. Em 2021, The Crown bateu o recorde do Emmy ao vencer todas as categorias de drama. Por isso, não estranhe o fato de este artigo de estreia iniciar analisando a altamente premiada quarta temporada de The Crown, mais especificamente a relação entre a Rainha Elizabeth II e a primeira-ministra britânica Margaret Thatcher.

São dois momentos:

  1. Elizabeth & Thatcher
  2. Elizabeth X Thatcher

Elizabeth & Thatcher

The Crown, a premiadíssima série de televisão da Netflix, inicia sua narrativa no ano de 1947, focando nos últimos cinco anos de vida de George VI. Ele foi o pai da atual rainha britânica, a Elizabeth II. O estágio final de seu pai coincide com seus cinco primeiros anos de casamento e ascensão ao trono. É um relato preciso de como a Rainha Elizabeth II atravessou décadas e gerações. Podemos aprender diversas lições de liderança em The Crown - do que fazer e, principalmente, do que não fazer.

Acompanhe, a seguir, um diálogo* que a Rainha Elizabeth teve com seu marido, o príncipe Philip.

[*diálogo fictício mas provavelmente real, assim como todos neste artigo]

00:10:28 –> 00:11:10
The Crown, Episódio 01 (quarta temporada)

[Elizabeth] – O que sabemos de Margaret Thatcher?
[Philip] – É do que menos o país precisa.

[Elizabeth] – Do quê?
[Philip] – De duas mulheres dando as cartas.

[Elizabeth] -Talvez seja exatamente do que este país precisa.

[Elizabeth] – Gosto do que vi dela.[Philip] – Da filha do comerciante?

[Elizabeth] -Filha de um comerciante e vereador. Ela se esforçou e ganhou uma bolsa para Oxford.

[Philip] -Sim, para Química.

[Elizabeth] -Mas depois mudou de rumo e se formou advogada enquanto criava gêmeos. Tente você.

[Philip] -E o caráter dela? Diz aqui: “Quando era jovem, candidatou-se a uma vaga de pesquisadora química, mas foi rejeitada após ser avaliada como teimosa, obstinada e perigosamente presunçosa.”

[Elizabeth] -É mesmo? A quem mais isso me lembra?

Nessa ocasião, Thatcher já estava praticamente eleita ao cargo máximo do parlamento britânico, e governaria, de fato o país. Vale explicar que, na política britânica, a figura da monarca (isto é, da Rainha Elizabeth II) não governa o país, apenas desempenha um papel cerimonial e diplomático, enquanto o país é realmente governado pela figura do chefe de governo, que é o primeiro-ministro.

Elizabeth não desempenhou nenhum papel na escolha de Thatcher (nem de qualquer outro primeiro-ministro). É relevante mencionar isso agora, como veremos mais à frente. Entretanto, Elizabeth parece estar confiante em relação ao trabalho que será apresentado pela nova governante do país.

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A Rainha Elizabeth II parece confiante em relação à nova governante do país.

Os desafios de Elisabeth ao trabalhar com uma liderada que ela não escolheu diretamente – Lições de liderança em The Crown

00:11:26 –> 00:11:42
The Crown, Episódio 01 (quarta temporada)

[Narração – telejornal]: “O que vemos agora é a história sendo criada. A primeira-ministra britânica, uma política de convicção que não escondeu o fato de acreditar que o país precisa mudar de cima para baixo, vai ao palácio, supostamente dizer à rainha exatamente isso.”

Apesar de a figura do chefe de Governo ter autonomia para governar, e constitucionalmente não poder sofrer interferências da monarca em seu governo, existe uma relação próxima entre ambos. Embora o primeiro-ministro precise dar satisfação de seu governo ao Parlamento, de forma direta, ele também faz isso para a “Sua Majestade” (chefe de Estado), de forma indireta. Toda semana acontece uma reunião privada entre o chefe de governo e a chefe de estado.

The Crown, a premiadíssima série de televisão da Netflix, inicia sua narrativa no ano de 1947, focando nos últimos cinco anos de vida de George VI. Ele foi o pai da atual rainha britânica, a Elizabeth II. O estágio final de seu pai coincide com seus cinco primeiros anos de casamento e ascensão ao trono. É um relato preciso de como a Rainha Elizabeth II atravessou décadas e gerações. Podemos aprender diversas lições de liderança em The Crown - do que fazer e, principalmente, do que não fazer.

Por mais que Elizabeth não tenha exercido um papel de líder direta em relação à Thatcher, havia sim essa relação indireta, afinal de contas a Rainha é a soberana do país. Portanto, daqui para frente assumiremos que Elizabeth assume o papel de líder e Thatcher exerce o papel de liderada. Vamos observar, ao longo deste artigo, como a relação entre as duas se desenrolou, e com isso extrair algumas lições de liderança em The Crown.

Vejamos o seguinte diálogo, na primeira reunião entre Elizabeth & Thatcher:

00:12:05 –> 00:14:30
The Crown, Episódio 01 (quarta temporada)

[Oficial]: – A líder da oposição, Majestade.

[Elizabeth]: – Sra. Thatcher.

[Thatcher]: – Majestade.

[Elizabeth]: – Seu partido venceu a eleição. É um grande prazer convidá-la
a formar um governo em meu nome. Parabéns, primeira-ministra.

[Thatcher]: – Obrigada, senhora.

[Elizabeth]: – Por favor, [Sente-se].

[Elizabeth]: – A família deve estar orgulhosa. Tem dois filhos?

[Thatcher]: -Sim, mas já são adultos e saíram de casa.

[Elizabeth]: – E seu marido está aposentado. Correto?

[Thatcher]: – Sim, mas ele não vai se intrometer, se é o que está perguntando. Denis sabe muito bem cuidar de si mesmo. Os tacos de golfe ficarão no corredor, para entrar e sair ao bel-prazer dele. Ele sabe que estarei muito ocupada e que pretendo trabalhar arduamente.

[Elizabeth]: – Vamos aos negócios, então. Já escolheu seu primeiro gabinete?

[Thatcher]: – Já.

[Elizabeth]: – Talvez a surpreenda eu gostar de prever as idas e vindas ministeriais. É como no turfe. Estudo desempenho e probabilidades. Quem entra e sai. Também gosto de prever gabinetes. Meu melhor palpite foi o segundo rearranjo do Sr. Wilson. Acertei 90%. Gostaria de ouvir minhas previsões para o seu? Suponho, nenhuma mulher.

[Thatcher]: – Mulher?

[Elizabeth]: – No gabinete.

[Thatcher]: – Com certeza não. Além de não haver nenhuma candidata apta, considero que mulheres em geral tendem a não ser aptas a cargos elevados.

[Elizabeth]: – E por quê?

[Thatcher]: – Elas ficam muito emotivas.

[Elizabeth]: – Duvido que terá problemas comigo. Agora… Willie Whitelaw. Ministério do Interior?

[Thatcher]: – Sim.

[Elizabeth]: Tique. – Geoffrey Howe. Tesouro?

[Thatcher]: – Sim.

[Elizabeth]: – Tique. Hailsham. Lorde chanceler?

[Thatcher]: – Sim.

Podemos perceber claramente que Thatcher não tinha um gênio fácil e se mostrava irredutível em relação a alguns temas, desde a primeira conversa. No entanto, Elizabeth interpreta, nessa cena, vários princípios de relações humanas e de liderança. Desde suas primeiras palavras, Elizabeth age com diplomacia, reconhece o mérito de sua nova primeira-ministra por chegar até ali. Depois é amigável, ao perguntar sobre a família. Por fim, Elizabeth faz até um joguinho (no melhor sentido da palavra), numa tentativa de gerar conexão com uma liderada que ela precisaria ver toda segunda-feira, pelos próximos 11 anos.

É bem provável que a atitude de Elizabeth gerou bom efeito em Thatcher, como podemos deduzir na sequência da cena, em que Thatcher conversa, já em casa, com seu marido:

00:14:32 –> 00:15:15
The Crown, Episódio 01 (quarta temporada)

[Margaret Thatcher]: – Walker, Heseltine, Biffen, Prior… Ela acertou a maioria. Ela não adivinhou St. John-Stevas no Ministério das Artes, mas só porque, com razão, ela já o havia escolhido para ser líder da Câmara.

[Denis Thatcher]: – Espertinha!

[Margaret Thatcher]: – Sim. Bem diferente do que imaginei. Mais interessada e informada, com um apetite louvável pelo trabalho, o que, como me disseram, ela mantém durante as férias de verão. Saí pensando que poderemos
trabalhar muito bem juntas.

[Denis Thatcher]: – Duas mulheres na menopausa. Será um mar de rosas.

[Margaret Thatcher]: – Eu ouvi isso.

Embora não tenha escolhido Thatcher como sua primeira-ministra, Elizabeth é calorosa em parabenizá-la e em convidá-la a “formar um governo em meu nome”. De fato, não apenas com Thatcher, mas com todos os primeiros-ministros com que se relacionou, Elisabeth não escolheu nenhum deles, mas teve de aprender a lidar com eles.

Leia Agora  Silêncio: a maior lição de liderança em House of Cards

Situação similar pode acontecer com qualquer um de nós como líder. Já aconteceu comigo, em pelo menos três ocasiões (empresas) diferentes.

Os desafios do líder que precisa trabalhar com liderados que ele não escolheu diretamente

Quando trabalhei na InEvent, iniciei como pré-vendedor. Apenas oito meses depois, aceitei o desafio de liderar o time de pré-vendedores ali. Foi um baita desafio, pois precisei aprender a lidar com alguém no time que tinha uma postura similar à de Thatcher, e que eu também não havia escolhido para o meu time, pois na verdade estava lá antes mesmo de eu chegar. Foi um baita desafio, que não convém detalhar aqui, nem agora.

Anos depois, tive a honra e o privilégio de desembarcar na HFocus. Meu desafio foi assumir a liderança de um time que já estava acostumado a seguir outra liderança, com outros métodos. O desafio ainda maior foi assumir o papel de líder de uma pessoa que até então liderava o time inteiro. Minha maior missão, sentia eu, era conduzir as coisas de uma forma que os papéis de ambos ficassem muito bem definidos, e que nenhum dos dois se comportasse, na prática, como “rainha da Inglaterra” ou “primeiro-ministro”.

Embora não vá aprofundar em detalhes aqui, posso resumir que os poucos dois meses que trabalhei com essa líder, foram momentos muito produtivos de aprendizagem mútua, de contribuição e de produtividade. Quando ela seguiu um próximo passo na carreira, tive a oportunidade de seguir (em meio à pandemia de COVID-19) com um time maravilhoso que foi conduzido à maturidade e alçou voos altos em suas vidas pessoal e profissional.

Por fim, entrando para o time da Track.co, novamente encarei o desafio de assumir alguns liderados que não foram escolhidos por mim, mas que se mostraram maravilhosos em todos os aspectos de convivência diária e que também já estão se desenvolvendo em novas áreas.

Quando situações assim acontecem, é fundamental agir como um[a] rainha. Por exemplo, em vez de rebater um tópico em que ela aparentemente discordava (sobre a participação das mulheres na política), a rainha simplesmente garante que sua nova liderada não terá problemas com ela, especificamente.

Ouvir, de verdade, os seus liderados fará toda a diferença. Por mais que, como líder, já tenha suas convicções, experimente chamar seus liderados para conversar e deixá-los à vontade para responder algumas perguntas:

  • O que você gosta (no seu trabalho ou na empresa) e que não gostaria que mudasse?
  • O que você gosta (no seu trabalho ou na empresa) mas que poderíamos melhorar ainda mais?
  • O que você não gosta (no seu trabalho ou na empresa) e que gostaria que mudasse?
  • O que você sugere que seja feito em relação ao que respondeu das últimas duas perguntas?

São perguntas que trazem ótimos aprendizados para líder e liderado. Nem sempre conseguimos colocar em prática a solução ideal, mas certamente saímos alinhados sobre vários outros pontos.

Fazer perguntas aos seus liderados é a fórmula mágica definitiva para resolver problemas de forma mais rápida e até evitá-los. Essa é uma das lições de liderança em The Crown. Vamos ver como Elizabeth perdeu uma grande oportunidade de fazer isso com Thatcher.

Elizabeth X Thatcher

 

Sinopse
The Crown, Episódio 08 (quarta temporada)

“Com opiniões divergentes sobre a imposição de sanções à África do Sul, Thatcher e Elizabeth enfrentam um clima de tensão.”

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00:08:36 –> 00:09:25
The Crown, Episódio 08 (quarta temporada)

 

– Bom dia, Michael.
– Sarah.

– Desculpe a emboscada, mas o jornal Today quer confirmar um segredo público aparente em círculos da Commonwealth. Dizem que a rainha está frustrada pois Thatcher se recusa a apoiar sanções contra o apartheid na África do Sul. Uma frustração que ameaça prejudicar sua relação com a primeira-ministra, a quem a rainha considera responsável, e gostariam que você, o secretário de imprensa, comentasse.

– Já deveria saber que não deve me trazer essas bobagens, Sarah. Nos 33 anos de reinado, a rainha nunca emitiu opinião a respeito de um premiê, positiva ou negativa, nem nunca emitirá. A imparcialidade política e o apoio ao premiê são um artigo de fé para ela. E todos sabemos como a rainha é… com relação à sua fé.

Com o contexto acima em mente, vamos às lições de liderança absorvidas em The Crown, mais especificamente no oitavo episódio, da quarta temporada, intitulado Quarenta e Oito Contra Um.

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Veja o diálogo a seguir:

00:09:33,560 –> 00:10:42
The Crown, Episódio 08 (quarta temporada)

– Faz quase quatro décadas que o sistema de segregação racial, chamado de apartheid, tornou-se a política oficial da África do Sul. A atual tirania de forças do governo sobre manifestantes negros está criando um aumento da indignação internacional. A situação está piorando, senhora. Inúmeros casos de brutalidade da polícia sul-africana para com os cidadãos. Acreditamos que,
para deter essas atrocidades, precisa de pressão econômica constante. Quarenta e oito países da Commonwealth querem impor sanções a Pretória, para tentar acabar com o regime de apartheid, mas, como Vossa Majestade sabe, para implantar essas sanções, é necessária a unanimidade, e um país continua a ser contra.

– O Reino Unido.

– A Sra. Thatcher continua se opondo.

[Elizabeth]: – Terei a oportunidade de conversar com a Sra. Thatcher em particular, nas Bahamas, na reunião de chefes de governo da Commonwealth.

O desafio aqui está no fato de que a primeira-ministra, Thatcher, chefe da nação mais importante da comunidade britânica de nações, é contra a imposição de sanções e se recusa a assinar um documento assim. A rainha até tenta convencê-la a fazer isso, mas não pode obrigá-la a fazê-lo. Vale relembrar que a rainha não exerce o governo, nem pode interferir nele.

Em conversa com membros de seu partido, veja o que diz a primeira-ministra:

00:10:44 –> 00:11:33
The Crown, Episódio 08 (quarta temporada)

A Commonwealth. Desperdício de tempo absurdo. Organização absurda. Pior: Moralmente ofensiva. Por que permitimos que nossa rainha confraternize com países como Uganda, Malawi, Nigéria, Suazilândia? Países instáveis. Despotismos instáveis com situações chocantes no que diz respeito aos direitos humanos. E os chama de “família”!

– Enfim, ela solicitou uma reunião privada a bordo do iate real para o que o palácio chama de “uma conversa franca sobre o rumo da África do Sul”.

–  Poupe-me! Vou dar a ela uma conversa franca
sobre não desperdiçar meu tempo.

Agora, vejamos como foi a reunião entre Elizabeth e Thatcher:

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00:15:54 –> 00:19:04
The Crown, Episódio 08 (quarta temporada)

[Elizabeth]: – Foi gentileza ter vindo. Não vou demorar. Esperava que discutíssemos a África do Sul… Espero fervorosamente que a Grã-Bretanha se una aos países da Commonwealth e imponha sanções a um regime de apartheid que não tem espaço no mundo atual.

[Thatcher]: Sejamos bem claras quanto a isso. Nada de útil pode ser alcançado com sanções.

[Elizabeth]: – É mesmo? Pelo que entendi, destruiriam o governo sul-africano.

[Thatcher]: – Destruiriam a nós também. O comércio entre os dois países vale três bilhões de libras por ano.

[Elizabeth]: – Que tal enxergarmos do ponto de vista sul-africano?

[Thatcher]: – Eu enxergo, senhora. A África do Sul já é um desinvestimento.

[Elizabeth]: – Os sul-africanos negros querem sanções, então não deveríamos ouvi-los?

[Thatcher]: – Os sul-africanos negros não querem herdar um terreno baldio.

[Elizabeth]: – Vão querer, se sentirem que é deles. O presidente Kaunda, da Zâmbia, confirmaria isso.

[Thatcher]: – Não é tarefa de um primeiro-ministro britânico se reunir com
ditadores não eleitos.

[Elizabeth]: – Mas é dever da soberana, quando fazem parte da Commonwealth.

[Thatcher]: – Sim. A Commonwealth.

[Elizabeth]: – Sim, a Commonwealth.

[Thatcher]: – Eu reconheço que, para sua família, a transição desta nação de império a súplica comparativa no cenário mundial deve ter sido um choque maior do que para nós, mas eu diria que a Commonwealth não é o meio para preencher essa lacuna. Há maneiras de a Grã-Bretanha ser grande de novo, que é por meio de uma economia revitalizada, não se associando a líderes tribais duvidosos em trajes excêntricos.

[Elizabeth]: – Mas não é isso que sou, primeira-ministra? Uma líder tribal em
trajes excêntricos?

[Thatcher]: – Certamente, não. É chefe de uma monarquia constitucional com origem em Guilherme, o Conquistador. Não é uma comparação simétrica.

[Elizabeth]: – É nisso que discordamos. Considero que sou exatamente como eles. Para mim, Gana, Zâmbia e Malawi são grandes nações soberanas com grandes histórias. Sei que não deve ter a mesma opinião. Para você, a Commonwealth é uma distração, uma perda de tempo. Mas, de muitas formas, dei minha vida a ela. Foi a promessa que fiz há 40 anos.

[Thatcher]: – No rádio? “À nossa grande família imperial…” Eu me lembro de ouvir quando estudava em Oxford, mas não podemos deixar que os valores do passado nos distraiam da realidade do presente, sobretudo, no que diz respeito aos interesses econômicos da Grã-Bretanha.

[Elizabeth]: Quarenta e oito países da Commonwealth estão preparando uma declaração contra o regime sul-africano e recomendando sanções mais rigorosas. O que eles… O que eu gostaria que fizesse é que assinasse a declaração.

[Thatcher]: – Se eu não a conhecesse, entenderia isso como uma ordem.

[Elizabeth]:- Entenda como uma indagação.

Essa não parece ter sido uma reunião muito produtiva. De fato, não foi simplesmente porque não foi tomada decisão alguma e não foi finalizada com os próximos passos a serem seguidos. A série mostra, e a História comprova, que Elizabeth saiu bastante ressentida dessa reunião, o que a levou a tomar uma decisão inconstitucional no dias seguintes. Mas antes de analisar essa decisão, vamos nos concentrar em entender o que poderia ter sido feito para resolver o problema ali mesmo.

Leia Agora  Silêncio: a maior lição de liderança em House of Cards

O problema era relativamente fácil de ser resolvido: bastava que ambas encontrassem um meio-termo.

Ambas estavam querendo defender os interesses e responsabilidades de seus cargos, e isso é legítimo. Mas apegar-nos a extremos quase nunca será a melhor postura. E se tivessem discutido uma declaração equilibrada e razoável ali mesmo? E se Elizabeth tivesse simplesmente perguntado mais, para entender as razões de Thatcher? Não foi o que aconteceu, em vez disso Elizabeth apelou para outras questões sentimentais.

Nos dias seguintes, os chefes de governo dos outros quarenta e oito países da comunidade britânica de ações redigiram dezenas de declarações possíveis, usando sinônimos para a palavra “sanções”, e Thatcher rejeitava todas, de forma irredutível.

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00:20:33 –> 00:22:05
The Crown, Episódio 08 (quarta temporada)

[Primeiro-ministro indiano]: – Rejeitou qualquer menção a “propostas”.

[Elizabeth]: – Estou determinada a vencer esta batalha, Sonny. Não costumo brigar, mas, quando brigo, quero ganhar.

[Primeiro-ministro indiano]: – E vai, senhora. Lembre-se, não está sozinha. São 48 contra um. Vamos voltar com outra palavra.

“Medidas”…

[Thatcher]: – Não, não, não…Sinto muito.

[Elizabeth]: – Negou “medidas”.

[Primeiro-ministro indiano]: – Sim, então vamos voltar com “ações”.

[Elizabeth]: – E se não der certo?

[Primeiro-ministro indiano]: – Ainda temos “controles”.

[Elizabeth]: Sim, começo a ver que se trata de controle.

[Thatcher]: – Não.

[Thatcher]: – Não.

PROTOCOLOS

[Thatcher]: – Não.

[Thatcher]: – Não.

[Thatcher]: – Não.

[Thatcher]: – Com certeza, não.

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Dias foram perdidos na tentativa de encontrar uma única palavra que convencesse a Dama de Ferro a assinar a declaração que todos queriam. Pense na quantidade de esforço e tempo investidos em algo que poderia ter sido resolvido de forma mais eficaz e simples.

Perceba que a rainha, como líder, falhou em buscar o diálogo, pois desde o início levou aquilo para o lado pessoal, como se estivesse entrando numa briga e determinada a ganhar. E ainda achou que a situação se resumia a mostrar “controle”.

É terrivelmente péssimo, para um líder, imitar essa atitude. Mais uma das lições de liderança de The Crown é que o líder excelente jamais deveria entrar em brigas pessoais com seus liderados. Não é esse o jeito correto de agir, querendo provar que seu ponto é mais correto e justo. Lembre-se que, na vida real , não são quarenta e oito contra um.

Será que, após diversas tentativas fracassadas de achar uma palavra, Elizabeth se deu por vencida e buscou a solução mais correta que se espera de um líder? Vejamos, no diálogo a seguir:

00:22:14 –> 00:23:30
The Crown, Episódio 08 (quarta temporada)

[Elizabeth]: – Não precisamos de políticos imprestáveis. Desculpe, Sonny. Mas de um escritor. Onde encontramos um?

SINAIS

[Thatcher]: – Sim, acho que podemos trabalhar com isso.

[Elizabeth]: – “Sinais”!

[Michael (escritor)]: – Sim, ela concordou com “sinais”. Nos sinais com os quais concordou estão várias sanções que ela jamais contemplaria com o nome de “sanções”.

[Elizabeth]: – Obrigada, Michael, e parabéns.

[Elizabeth]: – Nós ganhamos?

[Primeiro-ministro indiano]: – Ganhamos. É uma vitória para a Commonwealth,
a humanidade e a senhora. Colocada num ringue com a rainha, a Dama de Ferro derreteu.

Em vez de buscar outra conversa privada com a primeira-ministra, e resolver a situação através do diálogo empático e pacífico, a rainha menosprezou o trabalho feito por aqueles outros liderados, chamando-os de “políticos imprestáveis” e mandou chamar um escritor externo. Tudo isso para acharem uma única palavra que convencesse a Dama de Ferro. Essa estratégia até parece ter funcionado, pois a primeira-ministra britânica aceitou assinar a declaração com a palavra “sinais” ao invés de “sanções”.

O que a rainha, ou até mesmo os outros líderes poderiam ter feito? Não havia outra solução a não ser desmanchar o cenário de “ringue” que foi montado e buscar uma solução vitoriosa para todos, por abandonar os extremos e desfazer o clima de “nós contra ela”.

Será que em algum momento alguém, inclusive a própria rainha, pensou em procurar Thatcher e ouvi-la abertamente sobre suas motivações? A História prova que isso não foi feito. Que tal se tivessem delegado à Thatcher a tarefa de elaborar a declaração e sugerir palavras que soassem bem para ela, e para os demais? Poderia até não funcionar isso, mas ao menos uma possibilidade amistosa teria sido tentada, ao invés de gastar tempo e recursos, como aquele escritor, para resolver algo tão simples.

Saber delegar é uma das principais características do líder excelente. Querer sempre ser o protagonista da situação é o remédio para frustração de seus liderados e, quase sempre, do próprio líder.

Isso acontece bastante nas empresas (e em qualquer lugar, na verdade). Muitos líderes entram em combate com seus liderados, isso quando não são eles mesmo que armam o palco para isso. É uma atitude pouco nobre e nada edificante. Também não adianta contratar consultorias (fazendo alusão ao escritor externo) para mostrar que está certo. (Nota importante: consultorias são valiosas, se contratadas no espírito correto e para o propósito certo). Na maioria das vezes a resposta, e a solução está dentro de casa mesmo. É bastante claro que aquela situação poderia ter sido bem mais facilmente resolvido se tivessem perguntado à Thatcher qual palavra ela sugeria, ao invés de tentarem forçá-la a engolir a palavra que eles queriam.

Leia Agora  Silêncio: a maior lição de liderança em House of Cards

Mas, no final, a rainha comemorou como se tivesse saído de uma vitória épica num combate. Mas será que venceu mesmo? Vejamos.

00:23:55 –> 00:25:06
The Crown, Episódio 08 (quarta temporada)

[Um ministro de Thatcher]: – Muito bem, Margaret. Uma vitória para o bom senso.

[Thatcher]: – Do que está falando?

[Um ministro de Thatcher]: – Os outros chefes de governo reconhecerão sua disposição de buscar um meio-termo.

[Thatcher]: – Há uma razão para o cargo mais alto sempre ter escapado de você, Geoffrey: A ausência do instinto assassino.

[Sistema sonoro]: Senhoras e senhores, a primeira-ministra Margaret Thatcher.

[Repórter local]: – Primeira-ministra, foi forçada a fazer concessões substanciais?

[Thatcher]: – Não que eu tenha notado.

[Repórter local]: Assinou um documento preparado por 48 países com quem estava em conflito.

[Thatcher]: – Assinei. No entanto, a questão é: uma pessoa mudou para os 48 ou os 48 mudaram para uma pessoa? Sim, concordei com “sinais”, mas, como sabe, basta uma virada que um sinal logo aponta para uma direção totalmente diferente. Obrigada!

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Por não querer agradar sua líder, a rainha, a qualquer custo, Thatcher manteve o foco em seu trabalho de recuperar a economia britânica e não entrar em uma briga inútil com um importantíssimo parceiro comercial do seu país. Thatcher deixou que a rainha e seus bajuladores fizessem o teatro da sinalização de virtudes e focou no que realmente importa.

Como não a procuraram pedindo ajuda para redigir a declaração, ela sequer gastou suas energias em tentar fazer algo que não era seu foco principal. É preciso frisar que impor sanções à África do Sul prejudicaria muito o Reino Unido e os cidadãos britânicos, que tinham (e ainda tem) diversos empreendimento naquele país. Na verdade, prejudicaria vários outros países também e a economia deles. Não era uma decisão meramente sentimental, era uma questão que envolvia empregos e sustento de milhões de cidadãos.

O líder excelente compreende que não tem respostas para tudo e que seu modo de pensar não é soberano. Ele também abre espaço para que os outros apresentem suas propostas e, principalmente, não age como se quisesse vencer sozinho.

No final, a rainha ainda não aprendeu a lição e, desrespeitando a constituição, emitiu publicamente opiniões contra sua “liderada”, chegando ao ponto de mandar patrocinar suas opiniões em jornal de grande circulação. É totalmente desnecessário explicar a extrema falta de nobreza dessa atitude.

E se Elizabeth tivesse encarado Thatcher, desde o princípio, como sua aliada, e não como sua inimiga?

Vejamos, a seguir, que Elizabeth continuou sem aprender a lição.

00:35:45 –> 00:42:32
The Crown, Episódio 08 (quarta temporada)

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[Oficial]: – A primeira-ministra chegou.

[Thatcher]: – Majestade.

[Elizabeth]: – Primeira-ministra.

[Thatcher]: – Antes de vir hoje, confirmei com o secretário de gabinete que, nos sete anos em que sou primeira-ministra, tivemos 164 reuniões, sempre com cordialidade, produtividade e respeito mútuo. Então talvez não seja insensato esperar um contratempo isolado.

[Elizabeth]: – Que contratempo?

[Thatcher]: – Fiquei com a impressão de que Vossa Majestade nunca emitiu suas opiniões políticas em público.

[Elizabeth, interrompendo Thatcher]: – Não emito.

[Thatcher]: – Achei que houvesse um código de silêncio inviolável entre soberana e premiê.

[Elizabeth, tentando novamente interromper Thatcher]: – Se está se referindo ao jornal, sempre aconselhei meus premiês a não lerem os jornais.

[Thatcher]: – Não leio, senhora.

[Elizabeth]: – Interpretam e citam incorretamente, e deturpam, e todos causam um alvoroço.

[Thatcher]: – Mas meu secretário de imprensa lê. Ele tem uma relação profissional com todos os editores, e o editor, neste caso, garantiu que a fonte era incontestável. Próxima à rainha. Extraordinariamente próxima.

[Elizabeth]: – Certamente, em breve, emitirão um esclarecimento. Enquanto isso, vamos começar as questões da semana? Estou preocupada com o tempo.

[Thatcher]: – Essa é a questão, senhora. A única questão. Acho que temos respeito uma pela outra pessoalmente a ponto de fazermos perguntas mais importantes, de mulher para mulher. Temos a mesma idade, afinal.

[Elizabeth]: – Sério?

[Thatcher]:  – Apenas seis meses de diferença.

[Elizabeth]:  – E quem é a mais velha?

[Thatcher]: – Eu sou, senhora.

[Thatcher, lendo o que escreveram os jornais]: “Insensível, confrontante e divisora social.” Fontes tão próximas da rainha me descreveram assim.

[Elizabeth, tentando interromper]: – Primeira-ministra…

[Thatcher]: – Não tenho compaixão… Dizem que meu governo causou danos irreversíveis ao tecido social do país… Minha responsabilidade, durante o tempo que tenho no cargo, é colocar o sentimentalismo de lado e cuidar do interesse deste país com a perspectiva de um balanço patrimonial. Embora eu admire seu senso de justiça e compaixão pelos menos afortunados…

[Elizabeth, com sarcasmo]: -Admira? Mesmo?

[Thatcher]: – …não vamos nos esquecer que, entre mim e a senhora, eu sou a que veio de uma pequena rua em uma cidade irrelevante, com um pai que não
podia me dar um título ou uma Commonwealth, apenas coragem, bom senso e determinação. Não quero pena, caridade nem compaixão das pessoas. Nada me insultaria mais. Meu objetivo é mudar este país de dependente para autossuficiente, e acho que estou conseguindo.

[Elizabeth, interrompendo]:  – Como soberana, aprendi muitas lições difíceis.

[Thatcher]: – Os britânicos estão aprendendo a cuidar de si primeiro, a progredir, e só depois, se assim quiserem, cuidarem do vizinho.

[Elizabeth, interrompendo]: – Dessas lições…

[Thatcher]: – Ninguém se lembraria do bom samaritano se ele apenas tivesse boas intenções. Perceba, ele também tinha dinheiro.

[Elizabeth, interrompendo]: – …talvez a mais difícil seja minha obrigação
de apoiar meus premiês em qualquer posição que tomem, até a sua referente a sanções contra a África do Sul. Minha pergunta é: dada a falta de impacto que tem no seu cotidiano político, mas, sendo tão importante para mim, não poderia ter me apoiado só uma vez? Meus colegas líderes da Commonwealth, muitos deles que considero amigos, agora sentem que eu os traí numa questão muito importante para eles.

[Thatcher]: – Eles só precisam ler o Sunday Times. Não restará dúvidas a eles
de qual é sua posição. Veja só, nosso tempo acabou. Como voa…

Elizabeth não entrou nessa reunião disposta a ouvir. Tentou interromper Thatcher sempre que possível. Avisou que não tinha muito tempo. Tentou apelar para gatilhos de autoridade e experiência, do tipo: “Como soberana, aprendi muitas lições difíceis”. Por fim, desconsiderou tudo que sua liderada falou e, quando finalmente decidiu fazer uma pergunta à sua liderada, não foi com o objetivo de saber a resposta, mas sim apelando para o sentimentalismo de suas convicções pessoais, numa tentativa de justificar a forma como agiu. Fica aqui um excelente exemplo de como um líder excelente não deve agir.

Essas diversas lições de liderança encontradas em The Crown são muito poderosas. Se já passou por algo parecido, vale a pena refletir se agiu bem ou mal. E se ainda não passou por situações assim, prepare-se! Certamente passará por algo assim, um dia, e definitivamente se lembrará das lições deste artigo e as colocará em prática.