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Crítica | “The Black Godfather” é um caloroso retrato da vida de um importante personagem da cultura negra dos últimos 50 anos

Você pode nunca ter ouvido falar de Clarence Avant, tal qual eu. Mas certamente conhece várias das figuras que lhe prestam tributo ou são mencionadas como tendo tido alguma espécie de ligação com ele no decorrer dessas duas horas de documentário: Quincy Jones, Jamie Foxx, Lalo Schifrin, Barack Obama, Bill Clinton, Sean Combs, Ludacris, Michael Jackson, Janet Jackson, Steven Spielberg... e mais, muito mais. Ao final do filme, você só pode perguntar: "como nunca ouvi nada sobre esse homem antes?".
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Você pode nunca ter ouvido falar de Clarence Avant, tal qual eu. Mas certamente conhece várias das figuras que lhe prestam tributo ou são mencionadas como tendo tido alguma espécie de ligação com ele no decorrer dessas duas horas de documentário: Quincy Jones, Jamie Foxx, Lalo Schifrin, Barack Obama, Bill Clinton, Sean Combs, Ludacris, Michael Jackson, Janet Jackson, Steven Spielberg… e mais, muito mais. Ao final do filme, você só pode perguntar: “como nunca ouvi nada sobre esse homem antes?”.

É isso que The Black Godfather tenta responder um pouco. Testemunhos e relatos se alternam, ajudando a construir a história do homem por trás do mito e de como ele alavancou carreiras e salvou vidas. O próprio Clarence é uma dessas testemunhas, mas mesmo com a câmera focando nele – seja sozinho ou com sua família, ou com o amigo de longa data Quincy Jones – ainda permanece uma aura enigmática e misteriosa ao seu redor. Definitivamente é uma figura que gosta de agir nos bastidores e deixar os holofotes para os outros.

Claro que em muitos aspectos este documentário sofre de um mal comum a várias produções do gênero: aborda uma perspectiva unilateral em relação ao personagem. Mesmo os relatos que abordam alguma discórdia ou controvérsia com Avant não lhe poupam de elogios e expressões agradecidas, o que obviamente me deixa com um pé atrás se este homem chega a ser um santo como dizem (e estamos falando de um documentário que traz dois ex-presidentes estadunidenses rasgando elogios a ele!).

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Essa estrutura só não cansa ou trai o filme porque é inevitável se sentir atraído por uma história tão curiosa e rica. A forma como o documentário trabalha na sua parte visual de fornecer as ligações entre Avant e tantos personagens importantes da história e da cultura negra do último meio século (e da cultura norte-americana como um todo) ajuda a nos mergulhar nessa biografia semi-desconhecida e essencial. De um menino nascido numa família paupérrima na Carolina do Norte, passando pela tentativa de assassinato ao padrasto abusivo, a chegada à Nova York e sua mentoria com Joe Glaser – empresário de lendas do jazz como Louis Armstrong e Billie Holliday -, a relação com a máfia que dominava o meio musical da época (apesar de pontos controversos como esses, o documentário pouco se aprofunda nessas questões, como se visando manter a imagem dele o mais limpa possível), até culminar na carreira como empresário musical, executivo e acima de tudo mentor e “pai” para figuras negras tão importantes da música, TV e cinema.

Paradoxalmente, é o próprio Avant, mesmo na sua persona reservada e meio ranzinza, quem nos ajuda a melhor entender quem ele é. Quando ele fala que fez tudo “pelo dinheiro”, ou que não se associou aos movimentos de direitos civis, isso se contrapõe à forma como o documentário exibe sua gradativa conquista de espaços antes reservados aos brancos, ou como protegeu e cuidou de seus “filhos” mesmo sem querer nada em troca (os relatos de Jimmy Tam e Terry Lewis, produtores de Janet Jackson, bem como de Sean Combs, ex-produtor de The Notorious Big, são exemplos mais evidentes disso). É como um homem cuidadosamente inserido numa armadura, mas cujas ações falam por ele.

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Portanto, mesmo com um certo caráter enviesado na construção da trajetória de seu personagem, The Black Godfather é uma grata surpresa que lança luz sobre uma figura tão importante para a sociedade negra norte-americana, mesmo fazendo pouca questão de receber louros por isso. Não há como negar, ao fim, que muita coisa do que conhecemos da produção cultural afro-americana gira em torno do grande Clarence Avant.