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CRÍTICA | “Han Solo – Uma História Star Wars” é uma aventura satisfatória, embora imperfeita

A despeito de tantos problemas na sua produção, Han Solo é uma surpreendente e despretensiosa aventura, talvez o filme mais despretensioso feito na saga. E se não escapa de alguns problemas notáveis (a serem comentados aqui nesta crítica), consegue ser um todo melhor do que a soma de suas partes, de modo que as inseguranças em torno dele se revelam em grande parte injustificadas.
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A despeito de tantos problemas na sua produção, Han Solo é uma surpreendente e despretensiosa aventura, talvez o filme mais despretensioso feito na saga. E se não escapa de alguns problemas notáveis (a serem comentados aqui nesta crítica), consegue ser um todo melhor do que a soma de suas partes, de modo que as inseguranças em torno dele se revelam em grande parte injustificadas.

Aqui, Han é um órfão vivendo no decadente planeta de Corellia, aos serviços da criminosa Lady Proxima (Linda Hunt). Um piloto habilidoso e já dotado daquele caráter transgressor que um dia vimos na interpretação de Harrison Ford, o personagem alimenta o sonho de escapar do planeta com sua namorada Qi’Ra (Emilia Clarke). Ele consegue, mas ela fica para trás. Para escapar, alia-se ao Império, onde luta nas suas guerras e vê que aquele não é o seu lugar. Conhece Tobias Beckett (Woody Harrelson), caçador de recompensas disfarçado de imperial e se junta ao seu time, partindo numa missão que envolve roubar um mineral conhecido como coaxium a mando do senhor do crime Dryden Vos (Paul Bettany).

É uma história que remete ao modelo mais básico dos filmes de assalto: uma equipe, um chefão, um macguffin (um objeto que move a trama, neste caso aqui o coaxium), e algumas reviravoltas no enredo. Há também elementos de faroeste (uma marca comum da franquia), bem como uma breve sequência no primeiro ato que remete à guerra da Guerra nas Estrelas). O grande acerto de Han Solo é manter-se nessa simplicidade; este é de fato o filme mais auto-contido da franquia, muito mais do que o próprio Rogue One. Há menções ao Império (com direito a uma propaganda de recrutamento que utiliza a Marcha Imperial como trilha sonora), ao Imperador e à Rebelião, mas no geral o filme foca nas “margens” deste universo – planetas periféricos, sindicatos do crime e outros elementos. É como se fosse Star Wars sem ser Star Wars. E isso, a despeito do que os fãs mais xiitas possam afirmar, é realmente um mérito. Tanto que quando o filme tenta sair desse escopo é quando mais falha, mas chegaremos a isso.

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Outro grande mérito da obra reside no seu elenco. A começar por Alden Ehrenreich, que se mostra uma revelação ao fazer um Han Solo que passa longe de ser uma imitação de Harrison Ford, mas sabe incorporar os trejeitos que o ator compôs para o personagem quando necessário (desde o modo de por as mãos na cintura até o sorriso ligeiramente cafajeste). Esse é obviamente um Han mais jovem e mais ingênuo, e o filme vai adicionando elementos que o transformarão no personagem que encontramos na cantina de Mos Eisley em Uma Nova Esperança, de modo que Ehrenreich ganha a liberdade de oferecer uma visão diferente do personagem que é bem-vinda. Além disso, suas cenas com a Qi’Ra de Emilia Clarke oferecem uma sutil química, que é contrastada pela ambiguidade da personagem, relativamente bem trabalhada pela atriz (a qual eu sempre considerei bastante limitada).

Aliás, ambiguidade é o que também marca o Tobias Beckett de Woody Harrelson, que surge como um mentor para Han, mas desde o início é evidenciado como um personagem nada confiável. Dito isso, a relação dos dois é permeada de diversos clichês e é bastante previsível, mas se destaca por essa química de mestre-pupilo. A química é também evidenciada na amizade de Han com Chewbacca (Joonas Suotamo), outro destaque aqui desde a sua primeira cena. Lando Calrissian (Donald Glover) é uma explosão de charme e carisma, e ainda que não receba o tempo que o marketing do filme dava a entender consegue dominar o ambiente sempre que está em cena, aproveitando uma proximidade maior da versão original do personagem, vivida por Billy Dee Williams. Já sua dróide, L3-37, dublada por Phoebe Waller-Bridge, é um surpreendente destaque no filme, com seu divertido viés revolucionário. Talvez apenas Paul Bettany não consiga imprimir camadas suficientes ao seu personagem, sendo limitado ao estereótipo do chefão do crime de jeito suave mas potencialmente perigoso. O mesmo pode ser dito de Thandie Newton e Jon Favreau como Val e Rio, respectivamente; ambos são bastante desperdiçados na trama.

Onde o filme também se destaca é na trilha sonora de John Powell, que reforça o espírito matinê da obra, seja nos temas originais ou na incorporação daqueles de John Williams. A fotografia aposta em um trabalho escuro que soa interessante em alguns momentos e confuso em outros – o 3D certamente não ajuda ao público discernir o que está acontecendo em tela. Já o design de produção acerta ao dar o tom “sujo” e decadente dos lugares visitados na obra, mas esse é talvez visualmente o filme mais pobre da saga. A exceção fica por conta da Millenium Falcon, vista aqui em seus dias de glória – e a cena em que Han observa maravilhado seu primeiro salto no hiperespaço dentro da nave, com a câmera focando no deslumbre em seu rosto, é um grande atestado de como este é um filme bastante interessado em seus personagens, de modo a evitar as grandiosas batalhas que marcaram os episódios principais da saga e até mesmo Rogue One.

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Infelizmente, esse espírito auto-contido e destinado ao desenvolvimento dos personagens é prejudicado por algumas escolhas estranhas do roteiro que prejudicam bastante o tom e o ritmo de Han Solo e são o principal empecilho para ele se tornar um filme mais memorável. É justo dizer que há “três filmes” dentro de um, cada um correspondendo a um ato. O primeiro é o mais desconjuntado de todos, partindo do prólogo a la Oliver Twist em Corellia, passando pelo interlúdio na guerra em que Han e Beckett se conhecem e culminando na sequência do roubo ao trem vista nos trailers. Tudo soa como uma preparação para a introdução do mote principal da obra (o roubo ao coaxius em Kessel), bem como a introdução e reintrodução de certos personagens. É sem dúvidas a melhor parte do filme, como é de costume nos filmes de assalto, mas então surge o terceiro ato com uma série de reviravoltas (algumas tremendamente previsíveis, outras bem surpreendentes, especialmente no que diz à aparição de um certo personagem) e uma necessidade de expandir o escopo do filme. Como disse antes, quando ele tenta sair do pequeno universo que vinha construindo para “forjar” ligações com a mitologia maior da saga acaba falhando, e o terceiro ato é prova disso, ainda que contenha algumas cenas bastante interessantes.

Sem sombra de dúvidas as várias regravações pelas quais o filme passou são muito sentidas no produto final, bem como a troca de diretores – sentimento muito diferente de Rogue One, que teve seus problemas mas conseguiu se firmar como um filme muito mais coeso e onde suas referências criaram uma costura muito mais bem-trabalhada. Aqui, os fan services existem por existir, muito embora no geral não comprometam (de fato, a explicação para o Circuito de Kessel soa deveras orgânica dentro da obra). Apenas a explicação para o sobrenome “Solo” soa extremamente forçada e inorgânica dentro da trama, ao ponto de a considerarmos risível.

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O que nos levanta mais uma vez a questão: precisávamos saber como Han fez o percurso em 12 parsecs, como aprendeu a ser mais cínico, ou quando passou a atirar primeiro? A resposta é um sonoro não. Porém, em muitos aspectos Han Solo vive para além da sua completa desnecessidade no universo de Star Wars, configurando-se como uma aventura imperfeita, mas satisfatória – ouso dizer, mais satisfatória que o problemático Os Últimos Jedi, com todas as suas polêmicas. Infelizmente, os ganchos que deixa ao final podem nunca ser solucionados em face do fracasso que o filme vem se revelando, uma marca negativa para uma franquia até então sempre bem-sucedida. E isso é uma pena, tendo em vista os méritos que o filme possui, mas revela a necessidade da Disney repensar o tratamento que tem dispensado à franquia. De nada adianta responder esses ganchos em HQs, livros e outros produtos multimídia se uma grande parcela do público sempre vai conhecer ou se restringir aos filmes (e aqui incluo aquela aparição surpresa no último ato). Han Solo não merece fracassar, mas se o fizer, que sirva de alerta à Disney para não saturar Star Wars.