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CRÍTICA | ‘Está Tudo Certo’ é um ótimo estudo sobre a gradualidade do desgaste mental

Longa adentrou o catálogo na Netflix nesta quinta-feira (06).
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Longa adentrou o catálogo na Netflix nesta quinta-feira (06).

Vez ou outra descobrimos ótimos filmes escondidos no catálogo da Netflix ou de qualquer outro serviço de streaming. Felizmente “Está Tudo Certo” é uma dessas gratas surpresas. Escrito e dirigido pela alemã Eva Trobisch, o filme foi lançado em setembro de 2018, e estreou no Festival de Cinema de Munique.

O longa de Trobisch é estrelado pela atriz Aenne Schwartz, que interpreta Janne, uma mulher cuja certas coisas na vida definitivamente não são boas, principalmente o fato de que ela foi recentemente estuprada por um homem que conheceu em sua escola. Um ponto importante para que este retrato em particular de um ataque tão poderoso e perturbador não seja feito de forma sensacionalista é a maneira que Trobisch o faz. Janne e seu agressor Martin – interpretado por Hans Löw- realmente se divertem. Eles dançam e ficam bêbado. Martin força Janne para que eles façam sexo; ela dá o consentimento zero e empurra Martin para longe, mas ele a prende.

Não é necessário mencionar que cenas de estupro normalmente são difíceis de serem vistas e digeridas; o tempo dá cena é também fator importante na reação do público. Mas o que impressiona nesta cena em especial é o seu fator mundano. A cena é fria, curta e o mais simpes possível. Trobisch escreveu diversos roteiros policiais para séries de TV, e manteve aqui um certo senso de realidade e frieza. E faz diferente dos diversos filmes policiais: Martin é apenas notável pela sua aparência comum, não há nenhum vilão sádico ou agressor clássico por trás dele. Resumindo: Martin é apenas um cara excitado que decidiu ignorar o significado da palavra ‘não’. E este é outro fator que nos faz pensar sobre o lado mudano desta história.

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Após o ataque Janne parece incrivelmente equilibrada; ela parece mais perplexa do que assustada com os eventos da noite anterior. O nome original do filme é “Alles Ist Gut”, que em alemão significa ‘tudo bem’; mas é o tudo bem de alguém que não quer conversar, de alguém que desejar deixar tudo passar. Aos poucos Janne vai demonstrando os efeitos que o ato de Martin deixou em si. Primeiro vem a culpa, vergonha e o ressentimento. Depois vem a angústia e a lembrança constante. E por último o desespero.

Trobisch estuda de forma sensacional a mente de Janne. Consegue extrair através dos seus planos a fragilidade emocional de uma personagem que tenta ser forte constantemente. Em outros filmes isto poderia parecer atalhos narrativos, mas não aqui, pois ‘Alles Ist Gut’ mostra muito bem o caráter e a decadência de uma personagem. E isso só é possível graças ao trabalho de Aenne Schwartz como Janne. Ela consegue demonstrar perfeitamente como é viver em constante desconforto. As pequenas expressões faciais e corporais de Janne dizem muito.

A maioria dos problemas de Janne são expressos nas relações que Janne tem com os homens em sua vida: seu namoradoPiet (interpretado por Andres Döhler), que parece que vai explodir a qualquer momento; seu novo chefe Robert (Tilo Nest); e claro, Martin, de quem Janne não parece conseguir fugir.

‘Alles Ist Gust’ é um filme sobre como até mesmo a mentalidade mais forte pode ser gradualmente desgastada à medida que o trauma de tal memória se agiganta. É um estudo de personagem que vai deixar os fãs de Dostoievski anestesiados.