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Crítica: 5ª temporada de Black Mirror ainda não é o retorno à forma ideal

Meu, isso é tão Black Mirror!
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Meu, isso é tão Black Mirror!

A frase que virou meme talvez tire um bocado do impacto e da proposta que a antologia britânica criada por Charlie Brooker tem buscado trazer desde sua criação em 2011. É sempre bom salientar: Black Mirror não é uma série sobre os perigos da tecnologia, mas sim um estudo das relações humanas e da nossa índole numa sociedade cada vez mais tecnológica. A tecnologia não muda quem nós somos… apenas talvez nos ajude a esconder ou revelar mais de nós mesmos, para o bem ou para o mal.

A partir da terceira temporada a série começou a ser produzida pela Netflix, e é visível uma mudança de tom e estrutura. Ainda estavam lá o marcante tom sombrio e pessimista que a série utilizou em seus dois primeiros anos, mas parecia faltar algo mais. Algo que não era correspondente à disseminação que a série teve pelo globo. Seria a repetição das tecnologias vistas a cada episódio? O tom menos sombrio de alguns deles? A introdução de elencos estadunidenses além dos britânicos? O fato de haver mais episódios por temporada? Brooker estava sem a mesma criatividade? Difícil dizer. Mas a terceira temporada não alcançou o nível das duas primeiras, mesmo contando com ótimos e marcantes episódios, e a quarta foi um decepcionante exercício de mediocridade com poucos momentos realmente memoráveis.

Nesse sentido, a quinta temporada à primeira vista soa como um retorno às origens, voltando a ter apenas três episódios como as duas primeiras temporadas e não seis como as outras duas. Mas apesar dessa proposta, ainda não atinge os níveis da época “britânica” da série. Falemos então sobre cada episódio individualmente:

1) Striking Vipers

Meu, isso é tão Black Mirror!

Pode soar contraditório após eu ter dito que esta quinta temporada não é uma obra-prima, mas Striking Vipers é provavelmente o melhor episódio que a série entregou em muitos, muitos anos. Ao final dele eu só podia pensar: “Isso! Essa é a Black Mirror de que me lembro”. Fazia muito tempo que eu não via a antologia usando a tecnologia para o que originalmente propôs: analisar as nuances humanas e temáticas importantes. Em apenas uma hora, o episódio consegue discutir e desconstruir noções a respeito de masculinidade (e neste caso em particular, a masculinidade negra), debater sobre as problemáticas envolvendo pornografia através de uma excelente analogia com as possibilidades do sexo virtual e ainda trazer à tona o debate entre um relacionamento fechado vs relacionamento aberto. Parece muito? Pois tudo é tratado com exímia inteligência e sem incorrer em pré-julgamentos (ainda que a temática do relacionamento aberto não receba tanta atenção quanto os outros).

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Ah, e um detalhe muito legal é que várias partes desse episódio foram gravadas em São Paulo. A metrópole é facilmente reconhecível para nós brasileiros em muitas cenas, mas não é atrelada na trama a uma cidade específica, como acontece em vários episódios de Black Mirror. Então a cosmopolita Terra da Garoa acaba sendo o cenário perfeito para essa metrópole sem nome.

 

2) Smithereens

Meu, isso é tão Black Mirror!

Smithereens é o tipo de episódio que vai revelando o que intenta de pouco a pouco. Infelizmente o episódio não é eficiente em criar uma tensão e imprevisibilidade, visto que já supomos qual será o destino do protagonista assim que ele sequestra um estagiário de uma grande multinacional da tecnologia e quase provoca um incidente internacional. Andrew Scott é um excelente ator, mas o overacting que traz para o personagem principal acaba lembrando demais o Moriarty que ele interpretou em Sherlock, mas sem o mesmo nível de divertimento. Ele dá o seu melhor em vários momentos, mas o roteiro não consegue criar uma empatia eficaz que justifique seus atos diante das perdas por quais ele passou. Isso só é revertido na reta final do episódio, facilmente sua melhor parte, onde entra em cena o personagem Billy Bauer (Topher Grace), uma espécie de messias da tecnologia que me remete imediatamente a Mark Zuckerberg, especialmente no momento em que ele afirma como sua empresa (a Smithereen do título) cresceu para além de seu controle e se tornou um mecanismo de vigiar as pessoas. Lembra o que aconteceu com o Facebook nos últimos anos? Pois é.

Porém nem mesmo esse assunto recebe algum tratamento adequado do roteiro, que parece passear por vários tópicos sem realmente se aprofundar em um específico. É talvez nisso que Smithereens falhe, já que o episódio anterior conseguia trazer mais de um assunto sem soar perdido ou superficial. Caso fosse mais bem-sucedido em nos fazer sentir a tragédia em volta do protagonista e explorasse mais a fundo as referências ao Facebook e o uso das redes sociais como estes mecanismos de vigilância, poderia ter se tornado mais um episódio memorável da série. Mas infelizmente este não é o caso.

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3) Rachel, Jack and Ashley Too

Meu, isso é tão Black Mirror!

Rachel, Jack and Ashley Too sofre dos mesmos problemas de Smithereens de não conseguir apresentar um foco adequado aos temas que propõe, mas de uma forma diferente. À primeira vista, a presença de Miley Cirus como uma popstar adolescente nos faz pensar imediatamente em Hannah Montana, e minha expectativa era de que o episódio fosse um exercício de metalinguagem, trazendo um ar cínico à trajetória da personagem e que fosse uma espécie de espelho invertido da trajetória de Hannah (dialogando com as polêmicas que Miley viveu na vida adulta). Mas a atriz não é a verdadeira protagonista da história, e sim Rachel (Angourie Rice), uma adolescente introvertida e que lida com o luto pela morte da mãe e a relação distante que tem com a irmã Jack (Madison Davenport) e o pai, encontrando na figura de Ashley O (Cirus) seu único refúgio.

A primeira metade do episódio parece tentar trazer uma espécie de paralelo entre as vidas de Ashley e Rachel, mas esse paralelo nunca é apresentado eficazmente para além do fato de que ambas são figuras solitárias. O episódio parece flertar com o terror a partir do momento em que a boneca Ashley Too, uma variante da cantora, é introduzida – estava esperando algo no nível Chucky, o Boneco Assassino. Mas nem isso acontece. Quando uma certa reviravolta acontece na metade do episódio, a mudança de tom é evidente, mas não para melhor. Sem entrar em detalhes, o episódio se torna uma espécie de “filme de assalto” com muito mais humor, mas essa mudança não é bem-costurada com o que vínhamos assistindo. Para piorar, há um excesso de maniqueísmo por parte de alguns personagens que consegue soar quase ridículo. No fim das contas, Rachel, Jack and Ashley too parece tentar ser uma sátira, mas falha até mesmo nisso. Um dos episódios mais fracos que a série já teve.

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Em suma, a quinta temporada de Black Mirror só vem para comprovar que a série nunca mais conseguiu ter o mesmo padrão de qualidade que apresentava antes de ir para as mãos da Netflix. Episódios como Striking Vipers me fazem acreditar que a antologia ainda não chegou num ponto onde possamos dizer que “se saturou”, mas infelizmente estão se tornando mais exceção do que a regra.