Ben Stiller se revela um diretor astuto e cheio de nuances. Após sua estreia com “Reality Bites”, ele conquistou fama ao dirigir comédias que, embora parecessem levianas à primeira vista, tinham uma profundidade significativa. Exemplos como “The Cable Guy”, que inicialmente foi mal recebido, acabaram sendo reavaliados, e hoje são considerados prescientes em suas críticas à obsessão da sociedade pelo crime. Outros sucessos, como “Zoolander” e “Tropic Thunder”, também se tornaram clássicos cult, reconhecidos por suas sátiras afiadas.
Mas como Stiller, conhecido por sua comédia mais ampla, fez a transição para direção de “Severance”, uma série que explora a rotina do trabalho e a falta de ética corporativa? A resposta pode ser encontrada em sua obra “A Vida Secreta de Walter Mitty”, lançada em 2013, que serviu como um divisor de águas na carreira do diretor.
Em 2011, Stiller estava a três anos do sucesso de “Tropic Thunder”, e 20th Century Fox apostou US$ 90 milhões em “A Vida Secreta de Walter Mitty”, baseado na história de James Thurber. A intenção do estúdio era conquistar o público e a crítica, tentando replicar o sucesso de “A Vida de Pi”. Stiller, em uma entrevista, comentou que essa produção era uma tentativa de se distanciar do que havia feito antes e de mostrar sua seriedade como artista.
Infelizmente, a recepção ao filme foi morna, arrecadando apenas um pouco mais do que o dobro de seu orçamento. Contudo, às vezes é preciso olhar mais de perto para perceber sua importância na trajetória de Stiller. O filme é considerado uma ponte entre seu trabalho anterior e os temas explorados em “Severance”.
“O roteiro de ‘Walter Mitty’ apresenta Walter (Stiller) como um romântico solitário que prioriza as necessidades dos outros”, explica alguém que analisou a obra. Essa nova abordagem trouxe uma sensibilidade ao personagem que estava longe das versões anteriores, enfatizando suas dificuldades em equilibrar a vida real e seus sonhos. Quando observamos a luta de Walter para conciliar a sua identidade real com a que ele deseja ser, entendemos melhor por que Stiller se interessou pelo roteiro de “Severance”.
Apesar de algumas sequências do filme manterem um tom mais irreverente, situações como interação familiar e os dilemas no trabalho com seu chefe azedo, interpretado por Adam Scott, quase parecem um ensaio para o drama que viria em “Severance”. A forma como o interior da redação da revista Life é retratado, um espaço grande e impessoal, lembra o ambiente controlado e gelado de Lumon Industries, a empresa da série.
“A Vida Secreta de Walter Mitty” se consolidou como um elo entre o passado e o futuro de Stiller no cinema. Embora ele ainda não tivesse encontrado o equilíbrio entre a sinceridade e a sátira que marcaram seu trabalho em “Severance”, fica claro que ele já estava se esforçando para alcançar essa combinação delicada. Tal como em suas produções anteriores, talvez seja o momento de reavaliar “Walter Mitty” em uma nova luz.
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